A história da minha vida não existe. Ela não existe. Jamais tem um centro. Nem caminho, nem trilha. Há vastos espaços onde se diria haver alguém, mas não é verdade não havia ninguém.
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Nas histórias dos meus livros que se referem à minha infância, não sei mais o que evitei dizer, o que disse, acho que falei sobre o amor que dedicamos à nossa mãe, mas não sei se falei do ódio também e do amor que havia entre todos nós, e do ódio também, terrível, nessa história comum de ruína e de morte que era a história daquela família, a história do amor como a história do ódio e que foge ainda à minha compreensão, é ainda inacessível para mim, escondida nas profundezas da minha carne, cega como um recém-nascido de um dia. É o limiar onde começa o silêncio. O que acontece é justamente o silêncio, esse lento trabalho de toda a minha vida. Ainda estou lá, na frente daquelas crianças possessas, à mesma distância do mistério. Jamais escrevi, acreditando escrever, jamais amei, acreditando amar, jamais fiz coisa alguma que não fosse esperar diante da porta fechada.
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Pergunto se é comum ficar triste como estamos. Ele responde que é porque fizemos amor durante o dia, no auge do calor. Diz que é sempre terrível. Diz que passará com a vinda da noite, assim que ela chega. Digo que não é só por ser dia, que está enganado, que sinto uma tristeza que já esperava e que vem só de mim. Que sempre fui triste. Que vejo essa tristeza nas minhas fotografias da infância. Que hoje essa tristeza, sentindo-a como a mesma que sempre senti, quase pode ter meu nome, tanto ela se parece comigo. Digo que hoje essa tristeza é um bem-estar de ter afinal caído na infelicidade que minha mãe anuncia há tanto tempo, quando ela uiva no deserto de sua vida.
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[sobre a morte do irmão]
Ninguém via com clareza, somente eu. E a partir do momento em que tive acesso a esse conhecimento, tão simples, quando me certifiquei de que o corpo de meu irmãozinho era também o meu, eu devia morrer. E morri. Meu irmãozinho levou-me consigo, chamou-me para si e morri.
Retirados do livro O Amante, da editora rioGráfica, tradução de Aulide Soares Rodrigues
domingo, 15 de agosto de 2010
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