quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Abreu, Caio Fernando

Mas você não me entende. E sei que você não me entende porque não estou conseguindo ser suficientemente claro, e por não ser suficientemente claro, além de você não me entender, não consegue dar ordem a nada disso, portanto não haverá sentido, portanto não haverá depois.
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chamá-las de alguma coisa seria dar um passo no caminho de seu conhecimento, assim como de sutilmente as fosse moldando à minha maneira de desejá-las
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Mas eu tinha que ficar feliz. E quando você quer, você fica. Comecei a ficar. Afinal, aquele poderia ser o primeiro passo para emergir do pântanode depressão e auto-piedade onde refocilava há quase um ano.
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Só eu sei que cheguei à humildade máxima que um ser humano pode atingir: confessar a outro ser humano que precisa dele para existir.
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-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando Kiss Kiss Kiss. Por que você não me convida para dormirmos juntos?
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Por que não é preciso?
-Porque não é preciso.
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Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros.
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Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém.
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Seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente nós, a gente, as pessoas, têm, temos - emoções.
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...porque meu silêncio já não é uma omissão, mas uma mentira
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vai pelo caminho da esquerda, boy, que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha
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uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros
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A cada junho, sei que nao suportarei o proximo agosto
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Talvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (...) talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem junto para Paris (...) talvez um se matasse, o outro negativasse. Seqüestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada.

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Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo.

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Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente mas penso tanto em você que na hora de dormir vezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos.
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Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.
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Não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir, que tudo está bem, os hematomas no plexo solar, o coração rasgado, tudo bem
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Podia esperar de qualquer um essa fuga, esse fechamento. Mas não de você, se sempre foram de ternura nossos encontros e mesmo nossos desencontros não pesavam, e se lúcidos nos reconhecíamos precários, carentes, incompletos. Meras tentativas, nós. Mas doces. Por que então assim tão de repente e duro, por que?
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Os olhos parados numa expressão estranha, misto de ironia e tristeza. Mas não se pode negar que tinha algo diferente - alguma coisa assim que transcendia o corpo e ficava pairando como... como uma névoa vaga de manhã de outono. O fato é que ela possuía uma graça especial, talvez o jeito como se debruçava à janela, ou mesmo o jeito de sorrir apertando os lábios, como se temesse revelar no sorriso todo o seu mundo interior.
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Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.
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Tenho tentado aprender a ser humilde. A engolir os nãos que a vida me enfia pela goela abaixo. A lamber o chão dos palácios. A me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar.
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A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa imcompreenssão.
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Claro, o dia de amanhã cuidará do dia de amanhã e tudo chegará no tempo exato. Mas e o dia de hoje?
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Só quero ir indo junto com as coisas, ir sendo junto com elas, ao mesmo tempo, até um lugar que não sei onde fica, e que você pode até chamar de morte, mas eu chamo apenas de porto.
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Escuta aqui, cara, tua dor não me importa, estou cagando montes pras tuas memórias, pras tuas culpas, pras tuas saudades. As pessoas estão enloquecendo, sendo presas, indo para o exílio, morrendo de overdose e você fica aí pelos cantos choramingando seu amor perdido. Foda-se seu amor perdido. Foda-se esse rei-ego absoluto. Foda-se a sua dor pessoal esse seu ovo mesquinho e fechado.
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Ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais depositem peixes mortos pelas margens e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas dos plátanos que devem estar perdendo folhas lá bem ao sul e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim: ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas e meus pés não se sujarão na lama e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens, ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com o gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem me comove e que sua precisão de mim não passa de fome e que você me devoraria como eu devoraria você ah se ousássemos.

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tenho me confundido na tentativa de te decifrar, todos os dias. mas confuso, perdido, sozinho, minha única certeza é que de cada vez aumenta ainda mais minha necessidade de ti. torna-se desesperada, urgente. eu ja não sei o que faço. não sinto nenhuma alegria além de ti. como pude cair assim nesse fundo poço? quando foi que me desequilibrei? não quero me afogar, quero beber tua água. não te negues, minha sede é clara.

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e de madrugada eu me via catando cacos de vidros entre os lençois.

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sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus como você me doia de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta coisa mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada so olhando e pensando meu deus mas como você me doi de vez em quando.

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e para sempre perdeu-se no momento em que cessou de doer, embora lateje louca nos dias de chuva.

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e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque eu fui percebendo que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era

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Não choro mais. na verdade nem sequer entendo porque digo mais, se não estou certo se alguma vez chorei. acho que sim, um dia, quando havia dor. agora só resta uma coisa seca. dentro, fora.

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chorei por 3h depois durmi 2 dias. parece incrivel ainda estar vivo quando já não se acredita em mais nada. olhar, quando já não se acredita no que se ve. e não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite.

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chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanha que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguem, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. tenho vontade de gritar que essa dor é so minha e pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. a unica magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. a unica magia que existe é a nossa incompreensão.

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Você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria

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Em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não crescia se eu a mantivesse presa num pequeno vaso.

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Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e, se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido

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Eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia desses eu descobri existindo.

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Ah, não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê.

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está tudo planejado
se amanha o dia for cinzento
se houver chuva
ou se houver vento
se eu estiver cansado
dessa antiga melancolia
cinza, frio
das coisas espalhadas pela casa
a mesa posta
e gasta
esta tudo planejado
apago as luzes, no escuro
e abro o gás
de-fi-ni-ti-va-men-te

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...Importante é a luz, mesmo quando consome; a cinza é mais digna que a matéria intacta e a salvação pertence apenas àqueles que aceitarem a loucura escorrendo das veias.

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Porque chega uma hora em que você tem que escolher a vida. Eu talvez não saiba bem ainda o que isso significa, mas é claro para mim que a hora dessa escolha é agora, está acontecendo.

(Carta a Adelaide Amaral. Sampa, 29 de outubro de 1984.)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Proust, Marcel

Aqueles que amam e os que são felizes não são os mesmos