quarta-feira, 16 de abril de 2008

Chacal*

Entre cão e pulga, mais hora menos hora, sempre nasce uma relação legal. Um chupa o sangue do outro e os dois latem para a Lua. É nessas horas que entendem que não adianta a preocupação, que ambos têm todos os elementos que identifiquem a melancia com a melancolia.

*

Quero que me enterrem sobre cinco palmos de terra e me deixam lá tirando a soneca definitiva. Sei que sentirei algumas cocégas quando os vermes vierem me mastigar. Espero estar triste o suficiente para não ter um acesso de riso e atrasar minha transmutação. Quero ir com elegância do homem ao húmus.

*

Era uma tribo de renegados aquela. Drop outs, retirantes, traficantes da luxúria, da miséria da angústia e do ódio. Só a aversão os ligava. Aversão à justiça, aversão à vida, aversão à felicidade. Eles comiam o pão que o diabo amassou e bebiam sangue e soda cáustica. Viviam com bem pouco é verdade, mas viviam pouco. Nenhum deles jamais atingiu a serenidade. São ociosos o tempo todo, embora o tempo seja pouco. Quem jamais os viu sorrindo dirá que são infelizes. Eles não desprezam a bondade porque não a conhecem. Eles degeneram no ócio. Eles apenas fumam ópio e deliram. renegados de todos os códigos, de todos os ritos, eles são a fratura exposta da carne de onde vieram. Eles não dão bom-dia. Quando muito, um até logo.
(...)
Era um bando de taciturnos. Nem ternos, nem turvos. Taciturnos. tratavam vez em quanto contato com a vulgaridade. Então se desfaziam em dramas, se desmanchavam em incertezas. Para parar por aí, pensavam, pensavam, pensavam. Poucos dos que passavam, passavam pensando se iam voltar. Desses, poucos voltavam. Os que voltavam, voltavam pensando que iam voltar. Os outros não voltavam. Pensavam.
(...)
Eles normalmente têm falta de ar quando vêem os telejornais mostrarem o que vai pelo mundo. Eles não entendem. Eles são tristes.

*

LINHAS TRAÇOS

quadros abstratos
figuras impressionistas
quero pegar pesado
quero ser artista

óleo sobre tela
meu coração é dela
spray na parede
mata minha sede

claro escuro
cores caras
linhas traços
noites claras

verde azul e preto
amarelo encarnado
entre formas brutais
e o olho desgraçado.

*

Talvez o Rock seja aquele momento em que o homem se encontra com o homem e eentende que se ele não pode ser o outro, ele está absolutamente só e só lhe resta chorar. E desse choro nasce a Felicidade. A Felicidade de poder cantar e dançar com o outro que lhe completa o passo, que lhe rebate a luz, que lhe introduz nos Mistérios, que lhe permite entender que ele só é ele com o outro, com o além dele, com o todo.

*

Você treme. Você acha que é o frio. Tudo bem. Seus dentes começam a ficar amarelados. Deve ser o cigarro. Tudo bem. Você está no ônibus e vê pequenos delinquüentes roubarem uma bolsa. Antes a bolsa do que a vida. Tudo bem. Os pivetes têm pêlos saindo do nariz. Você acha que é coisa da idade. Tudo bem. Você está na rua e crianças te empurram balas, drops, chicletes. Você fecha o vidro e liga o rádio. Tudo bem. Você vai para casa e ela está fria. Você acha que é agosto e é inverno. Tudo bem. Você liga a TV e vê um mundo perplexo entre anúncios caóticos. Você faz as contas e vê quanto pode gastar logo ali. Você acha que dá. Tudo bem. Você olha para o céu e começa a chover. Você não tem guarda-chuva. Você abre um jornal para dar uma revista. Algumas pessoas usam estrelas nos ombros. Outras comem ratos. Outras acertam na loto. Outras falam de moratória. Você acha tudo muito complexo e esmaga uma espécie de fungo que lhe nasce entre os dedos do pé. Você relaciona isso com a umidade. Tudo bem. Você tenta dormir. O sono não vem. Você acha que porque é difícil dormir com um barulho desses. Tudo bem. Você pensa em ligar para alguém. Seu telefone está desligado. Menos uma conta. Tudo bem. Você toma uma, fma outro, tosse uns barulhos esquisitos lhe saindo pelos brônquios. Na primavera você se recupera. Tudo bem. Você sai na rua e um fusca da guarda-civil o interpe-la bruscamente sobre sua procedência. Você se assusta mas acha que é a lei. Tudo bem. Você esbarra com milhares de pessoas na rua que lhe pedem fogo. Você começa a pedir também. Não vai ser um cigarro que vai tirar seu humor médio. Tudo bem. Suas orelhas parecem que crescem. Você acha que é picada de inseto. Você sabe que os mosquistos são mais comuns no verão. Suas orelhas crescem a olhos vistos. Você se acustuma. Tudo bem. Você desliga o rádio e vai ao hipódromo jogar naquela barbada do quinto páreo. Seu cavalo tropeça, quebra a pata e é sacrificado. Você acha que foi melhor pra ele e que o animal lhe fez perder o último barão. Outros virão. Podes crer. Sua barriga começa a inchar. Você não comeu nada hoje. Deve ser falta de exercício. Podes crer. Você vai ao cinema e o filme não lhe diz nada. Você acha que é o sono. Podes crer. Você sai na rua e os carros quase lhe abotoam. Você acha que é o trânsito aliado a sua desatenção. Podes crer. Você vai jogar bola e não tem vaga pra você. Você acha que é porque aquela não é a sua turma. Podes crer. Você vai à praia, pega uma onda e quase se afoga. Você acha que seu fôlego já foi melhor. Podes crer. Você pega um livro. ELe é igual àquele outro que é igual àquele outro. Você lê o livro outra vez. Podes crer. Você vai ao teatro e acha um barato. Pena que não teve peça. Um ator entrou em pane. Podes crer. Você sente uma vontade irresistível de comer queijo. Você sempre gostou de queijo. Podes crer. Você vai a uma festa e não dança com ninguém. Você acha que é agosto. Podes crer. Você pára numa vitrine e uma roupa lhe chama de tesouro. Você acha que é alucinação de ótica. É isso aí. Você entra no metrô e não vê luz no olho de ninguém. Você põe uns óculos escuros e abre um gibi vagabundo. Você gosta do Ken parker. É isso aí. Você repara que suas unhas começam a ficar curvas e afiladas. Você acha que é o excesso de tabaco e as noites viradas. É isso aí. Você lê nas folhas, notícias de secas e enchentes, corrupção e crime. Flagelados comem ratos ao norte da miséria. Você acha que essa terra sempre foi assim. É isso aí. Você sai na rua, alguém lhe enfia a a faca nas costelas e lhe arranca o bobo do braço. Você acha que podia ter morrido. É isso aí. Seu nariz começa a se mexer com freqüência. Você acha que nunca pecou e joga pedras no chão. É isso aí. Você passa a mão no rosta e só encotnra pêlos. Você acha que é a falta de saco de fazer a barba. Só. Você ouve um barulho de multidão vindo do norte. Você acha que é sua imaginação. Só. Você começa a grunhir e a correr acuado.
Tarde demais.

retirados do livro Comício de tudo

*apelido de Ricardo de Carvalho Duarte

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Antes do pôr-do-sol

quebrei o coração muitas vezes e me recuperei. agora nao faço força nenhuma, sei que não vai funcionar, não vai dar certo, não vai.

*

e sabe o quê mais? pra mim amor e realidade são contraditórios.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Pessoa, Fernando

"Constituição íntima das cousas"
"Sentido íntimo do Universo"
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está ralando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão

*

Bebendo o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
Translúcidos como água
Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
E as rápidas caricias
Dos instantes volúveis.