segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Nunes, Débora

e aí eu fiquei pensando que odeio tudo isso de não saber o que que foi
e o que que vai ser e o que que é passado e o que que é presente e se
não existe futuro e se se ignorar na parada de ônibus e tão ruim que
daí qualquer coisa vai ficar me lembrando de como eu devia ter falado
contigo ou de como eu queria olhar pros lados nas paradas de ônibus ou
de como eu devia tomar alguma decisão que não.

fô?

Não sei bem o que é, mas há algo presente em cada centímetro do teu sorriso que me dá vontade de chutar a porta que dá pra rua e sair correndo, sem saber onde fica a minha casa. Há algo que me priva de usar todas as artimanhas que eu colecionei, que me faz esquecer todas as minhas frases de efeito e que faz com que tudo que eu faça/diga pareça de uma imbecilidade infantil. Não sei bem o que é, mas há algo presente em cada palavra que tu me apontas, que sopra em meu ar essas bolhas de sabão. A trajetória dessas pequenas bolsas de ar é tão imprevisível, tão frágil, que eu fico com medo de tocá-las.E são tantas, essas bolhas, que eu não sei atrás de qual delas eu vou correr. Aí eu fico parada, te não-ouvindo, te não-olhando e, sempre, invariavelmente, não
sorrindo. O não saber o que fazer.

Bitencourt Martins, Luisa

Poderia ter dito que ainda via ela como antes, ainda sentia seu cheiro quando chove, que vive pensando nela, que as pessoas não tem mais a mesma cor, que não consegue mais comer sorvete porque o gosto ficou amargo, e existem dias que parecem que nem existem só pelo sentimento da distância, que na verdade é inventada. Mas ao invés disso segurou com força o telefone e terminou a conversa.

Kundera, Milan

Para Tereza, o livro era o sinal de reconhecimento de uma fraternidade secreta. Contra o mundo de grosseria que a cercava, não tinha efetivamente senão uma arma: os livros que pedia emprestados na biblioteca municipal: sobretudo os romances: lia-os em quantidade, de Fielding a Thomas Mann. Eles não só lhe ofereciam a possibilidade de uma evasão imaginária, arrancado-a de uma vida que não lhe trazia nenhuma satisfação, mas tinham também para ela um significao como objeto: gostava de passear na rua com um livro debaixo do braço. Eram para ela aquilo que uma elegante bengala era uma um dândi do século passado. Eles a distinguiam dos outros.

*

Franz notou que sua mãe estava com sapatos descasados. Ficou confuso, quis avisá-la, temendo ao mesmo tempo magoá-la. Ficou com ela duas horas pelas ruas sem poder despregar os olhos dos seus pés. Foi então que começou a ter uma vaga idéia do que significava sofrer.

*

O drama de uma vida pode sempre ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo sobre os ombros. Carregamos esse fardo, que suportamos ou não. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? Nada. Deixara um homem porque quis deixá-lo. Ele a persiguira depois disso? Quis vingar-se? Não. Seu drama não era de peso, mas de leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.

*

Olhavam para ela e repetiam para si mesmos que Karenin sorria, e que, enquanto sorrisse, teria ainda uma razão para viver, mesmo estando condenada.

retirados do livro A Insustentável Leveza do Ser