terça-feira, 9 de setembro de 2008

Baszczyn, Eduardo

carrego coisas pesadas e quase não mais flutuo. há tempos, navego sem encontrar portos pelo caminho. lugares onde se possa parar. descarregar as cargas amontoadas. atirar o que é sobra ao chão do cais. navego enquanto posso, sem conseguir me livrar da bagagem. das pedras dentro das malas. sabendo que a mudança foi com a embarcação e não com o mar. navego, sabendo que afundar é questão de tempo.

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às vezes, tenho vontade que o mundo se transformasse em uma polaróide ao contrário. tudo em volta sumindo aos poucos. em segundos, apenas um borrão antes do nada

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e, então, não há mais lugares para pousos. condenado a bater as asas para sempre, morro porque, agora, só se cultivam espinhos em todos os jardins

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que você deveria saber que eu acabei apenas desenhando esses dois riscos nos meus punhos, sem coragem de pesar a mão sobre os meus braços e fazer cortes mais profundos. que você deveria saber que esses olhos vermelhos são por chorar, escondida no banheiro, sufocando os soluços com a mão, sentada sobre o chão gelado, evitando o espelho pra não ver minha cara com maquiagem borrada e lápis preto escorrido pelo rosto, como lágrima negra até o queixo. que você deveria saber que mesmo assim, sem forças, eu joguei aquelas flores mortas do vaso e saí pra comprar um dúzia de novas, brancas. e que, na volta, eu arranquei os sapatos e acelerei descalça querendo jogar o carro contra o poste e contra o muro e contra um monte de coisas que eu vi pelo caminho. que você deveria saber que eu passei a tarde toda gritando com a cabeça enfiada no travesseiro fazendo a voz sumir aos poucos. e que eu quebrei um copo na parede da sala, manchando aquele bege, cor de nada, com o vermelho do resto de vinho. que você deveria saber que eu saí no meio da chuva, pisando poças e parando sob as goteiras e pedindo pra que um raio, apenas um daqueles todos, me acertasse em cheio. eu achei que você deveria saber que eu achei que você deveria saber um monte de coisas, antes de me deixar. que eu mandei trocar as fechaduras da porta enquanto você dormia. achei que você deveria saber que com essa chave você não vai embora. que ela não serve pra mais nada. eu achei que deveria saber que agora você só sai daqui se for por essa janela. pulando, assim, como eu.

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eu me arrebentei, assim, porque o nó era fraco. frouxo. mal dado. eu afundei, em segundos, porque no meu casco havia um buraco milimétrico por onde o mar entrou, aos poucos. inteiro. eu caí com o primeiro vento porque não havia tijolos. eu era construção mal feita. erguida na pressa. madeira com pregos mal batidos. fachada. eu derreti ao sol porque era de plástico. sumi no sopro porque era pó. eu me quebrei na primeira queda porque, por dentro, não havia mais nada. eu me sentia forte, sem saber que já era oco.

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ele me fez atravessar o longo corredor, mas não escreveu que no final haveria uma porta para que eu fugisse. ele me fez escancarar a boca até o fim, mas esqueceu de me dar o grito.

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(...)minha vida já era fruto bicado por passarinho. maçã cheia de bichos caída sobre a grama. ainda vivo, mas apodrecido. no meio do jardim, o buraco giganteco. é dentro dele que eu espero. me disseram que seria o único jeito. voltar a ser semente e começar tudo outra vez.

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mas um dia, você pode ter certeza, o desequilíbrio irá atrapalhar essa sua destreza. interromper suas acrobacias. seus truques. manobras. um dia, esse seu número chegará ao fim, de repente. espetáculo encerrado, de uma hora para outra, pelas bolas coloridas espalhadas pelo chão. um dia, enquanto estiver recolhendo uma por uma, entre tantas vaias, você irá se arrepender. jurar nunca mais fazer malabarismos por tanto tempo com os sentimentos de quem já o aplaudiu.

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se você não percebeu que os dois lados se juntavam, aos poucos, todos os dias, por que saiu antes? por que me disse que este era o nosso refúgio, sabendo que ele se tranformava a cada minuto? sabendo que um dia ele se fecharia, por completo. armadilha. por que prometeu ficar por perto se, no final, acabou me deixando ser engolido? sozinho. morto pelo que era flor e virou planta carnívora.

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é o seu medo? por que, então, viver no meio se você pode escolher entre o céu e o inferno?

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Talvez um dia eu seja uma pessoa mais equilibrada. Dessas que não se abalam tanto com os problemas. Que sabem administrar com inteligência a maioria das situações. Mas, por enquanto, confesso que não consigo. Basta uma coisa dar errado para estragar todas as outras. Um desequilíbrio literal. Imagino meu humor como uma pilha de latas em um corredor de supermercado. Estão todas lá: umas em cima das outras. Organizadas. Alinhadas. Aí vem uma criança teimosa e tira uma das latas de baixo. A do meio! E, em dois segundos, está tudo no chão. Era impossível que continuassem de pé sem aquela lata. Ando meio triste. Uma criança teimosa passou por aqui um dia desses e levou o que queria.
Tirou uma lata e foi embora. Sei que vou ficar bem. No fim, as coisas sempre se ajeitam. Mas dá um trabalho organizar tudo de novo! Ter de pegar lata por lata e empilhar outra vez... Uma a uma. Bem devagar. Até achar o tal do equilíbrio.

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