terça-feira, 24 de junho de 2008

Burgess, Anthony

- Mas pelo menos somos obrigados a reconhecer que o Estado, tal como existe hoje no Ocidente livre, não evolui na direção imaginada por Orwell - temos liberdade para ler o quisermos, admirar a pornografia expostas nas ruas, comprar todo tipo de lixo plástico, fazer amor sem qualquer impedimento oficial. Vivemos chamando por mais liberdade e acabamos quase sempre por obtê-la. E, mesmo assim, o Estado sempre é visto como um monstro, especialmente pelos jovens.
- Ah, os jovens!

Retirados do livro 1985

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Gullar, Ferreira

A vida está
dentro da vida
em si mesma circunscrita
sem saída.

Nenhum riso
nem soluço
rompe
a barreira de barulhos.

A vasão
é para o nada.
Por conseguinte
não vasa.

*

(...)"não se preocupe pois tudo vai acabar mal"
dizia rindo,
"além do mais essa música é bonita pra caralho...
___________________________ou não!"
(...)

*

Gravura

Longe de mim
para além dos edifícios de Botafogo
___________________e da Tijuca
____________para além do Méier, de Madureira
_____________________ de Bangu
vencida a última casa na periferia do Rio
_____________________longe
___________para além dos espantosos rochedos
___________da serra das Araras
para além dos vales e campos cultivados
___________municípios e cidades
longe
longe de mim
___________no coração de São Paulo
___________dorme você a esta hora
___________(quatro e quinze da manhã)

___________com seus negros cabelos.

*

Aprendizado

Do mesmo modo que te abriste à alegria
____abre-te agora ao sofrimento
____que é fruto dela
____e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
____que da alegria foste
__________________ao fundo
____e te perdeste nela
__________________e te achaste
__________________nessa perda
_____deixa que a dor se exerça agora
_____sem mentiras
_____nem desculpas
_______________e em tua carne vaporize
_______________toda ilusão

_____que a vida só consome
_____o que a alimenta.

Retirados do livro Barulhos

*

Não te aconselho o amor. O amor
é fácil e triste. Não se ama
no amor, senão
o seu próximo findar.
Eis o que somos: o nosso
tédio de ser.

(...)

Saber-se
fonte única de si
alucina.
______Sublime, pois, seria
suicidar-nos:
trairmos a nossa morte
para num sol que jamais somos
nos consumirmos.

*

Fui sempre o que mastigou a sua língua e a engoliu. O que apagou as manhãs e, à noite, os anúncios luminosos e, no verso, a música, para que apenas a sua carne, sangrenta pisada suja - a sua pobre carne o impusesse ao orgulho dos homens. Fui aquele que preferiu a piedade ao amor, preferiu o ódio ao amor, o amor ao amor. O que se disse: se não é da carne brilhar, qualquer cintilação sua seria fárua; dela é só apodrecimento e o cansaço.

*

Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso
duplo espelho - o precário no precário
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.

*

Quem fala em flor não diz tudo
Quem me fala em dor diz demais
O poeta se torna mudo
sem as palavras reais

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Um bolero

depois de ter vivido vinte desenganos, qual a diferença de viver mais um?

García Márquez, Gabriel

Ele está no bar. O dono do bar, que o conhece muito bem, pergunta "E para onde você vai?". E ele responde: "Sei lá. Vou à merda."

Retirado do livro sobre as aulas na Oficina de Roteiro da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños