E ele veio apesar do gosto do corpo de Ivone o prender ali, de saber que deixara nela um filho. Dizia para si mesmo que ia fazer dinheiro para ela e para o filho, voltaria com um ano. A terra era fácil em Ilhéus, plantaria uma roça de cacau, colheria os frutos, voltaria por Ivone e pela criança. O pai dela não voltou, ninguém sabia mesmo onde ele estava. Um velho está dizendo que ninguém volta destas terras, nem mesmo os que têm mulher e dois filhos. Por que essa harmônica não pára de tocar, por que essa música é tão triste? Por que é vermelha como sangue essa lua sobre o mar?
*
Hoje, no entanto, nem a quer mirar, seus olhos procuram outra visão. A lua está no alto dos céus. Por que se pode fitar a lua e não há olhos que aguentem fitar o sol?
*
- (...) Uma vez vi ela de novo. Vinha de longe, tenho certeza. De muito longe, não era daquela terra...
- Tão bonita a lua... - disse a rameira e o marinheiro reparou que ela tinha os olhos tristes. Ela queria dizer outra coisa mas não encontrou palavras.
- De longe, quem sabe se do fundo do mar? Só sei mesmo que veio e foi embora. É só mesmo o que sei. Ela nem reparou em mim. Mas até hoje me lembro do jeito dela rir, dos dentes, da brancura dela. E o vestido - quase gritou de alegria ao se recordar do novo detalhe -, o vestido de mangas abertas...
Emborcou o copo, esticou o beiço, não estava mais alegre. A voz da mulher que cantava na noite lírica ia sumindo devagarinho:
"Partiu para nunca mais voltar".
- E depois? - perguntou novamente o de anelão falso.
O de colete azul não respondeu e a prostituta não sabia se ele estava olhando para a lua ou para alguma coisa que ela não via lá, mais além da lua e das estrelas, mais além do céu, mais além da noite tão tranquila. E, antes que as lágrimas viessem, partiu com o loiro marinheiro para a festa da noite de luar.
*
Vê através de seus olhos secos, sem lágrimas, pensa que seco está seu coração também, coberto pela sombra do cacau.
Não adianta mais pensar em fugir, agora seus pés estão presos no visgo daquela terra, visgo de cacau mole, visgo de sangue também. Nunca mais será possível sonhar outra vida diferente. (...)
Seus olhos secos, suas mãos trêmulas, seu coração doído. (...)
E a angústia aumenta, ele veste a roupa quase correndo, sente uma necessidade de deixar que a chuva caia sobre ele, sobre sua cabeça ardente, lave suas mãos sujas de sangue, lave seu coração manchado. Se esquece de descer em passos cuidadosos para não acordar as empregadas. E sai pelo quintal, no leito da estrada de ferro arranca o chapéu e deixa que a chuva escorra sobre o seu rosto, como se fossem as lágrimas que ele não chorou.
Trechos retirados do livro Terras do Sem-Fim, editora Círculo do Livro
segunda-feira, 28 de junho de 2010
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