e agora se abriram mil torneiras em minha cabeça e tenho de verter meu coração em uma torrente de palavras, se não quero que me afoguem.
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Eu sou um homem doente... Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creio que tenho uma doença do fígado. Aliás, não compreendo absolutamente nada da minha moléstia e não sei mesmo exatamente onde está o mal.
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Tenho quarenta anos atualmente. Ora, quarenta anos, é toda a vida, é a profudna velhiche. É inconveniente, é imoral, é vil viver além dos quarenta. Quem vive depois dos quarenta anos? Respondei sinceramente, honestamente! Vou dizer-vos, sim, eu: os imbecis, os patifes, esses vivem mais de quarenta anos. Eu o proclamarei à face de todos os velhos, de todos os respeitáveis velhos, de todos os velhos de cabelos cor de prata e perfumados! Eu o proclamarei à face do universo inteiro. Tenho o direito de falar assim, porque eu, eu viverei até os sessenta anos! Até os setenta anos! Até os oitenta anos!
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Ah! Senhores! É possível que eu me considere extremamente inteligente pela única razão de que, em toda a minha vida, nunca pude começar nem acabar fosse o que fosse. Não passo pois de um tagarela, de um tagarela inofensivo, de um impertinente como nós todos. Mas que fazer, senhores, se o destino de todo homem inteligente é tagarelar, isto é, derramar água em uma peneira?
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Se me disserdes que o caos, as trevas, as malições, que tudo isso pode também ser calculado de antemão, se bem que a simples possibilidade desse cálculo irá paralisar o impulso do homem e que a razão triunfará assim uma vez mais, então eu vos confessarei que o homem só tera um meio de fazer o que lhe apraz, que é perder a razão e tornar-se completamente louco.
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Mas, seja como for, "duas vezes dois igual a quatro" é uma coisa bem insuportável. "Duas vezes dois igual a quatro", na minha opinião, respira impudência. "Duas vezes dois igual a quatro" nos desfitura insolentemente. De mãos nos quadris, ele se atravessa no caminho e nos cospe na cara. Admito que "duas vezes dois igual a quatro" seja uma coisa excelente, mas, se é preciso louvar tudo, eu vos direi que "duas vezes dois igual a cinco" é também às vezes uma coisinha muito encantadora.
Retirados do livro Noites Brancas e Outras Histórias
domingo, 18 de janeiro de 2009
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