A estrada atravessava agora um campo aberto, e ocorreu-me a idéia - não igual à guisa de protesto, não como um símbolo ou qualquer coisa no gênero, mas apenas como uma experiência nova - de que, tendo violado todas as leis humanas, bem poderia também transgredir as regras de trânsito. Cruzei então para o lado esquerdo da estrada e verifiquei que achava aquilo ótimo. Alguma coisa parecia estar se derretendo deliciosamente à altura de meu diafragma, juntamente com digusos reflexos tácteis, tudo isso acentuado pelo pensamento de que nada poderia estar mais próximo da eliminação das leis fundamentais da físiac do que dirigir no lado errado da estrada. De certa forma, era uma experiência genuinamente espiritual. Suavemente, sonhadoramente, sem jamais passar de trinta quilômetros por hora, segui pela esquerda como se o mundo estivesse se vendo no espelho.
*
"Tem certeza que não vem comigo? Não há nenhuma esperança de que possa vir? Só me diz isso.""Não", ela respondeu. "Não, meu querido. Não."Ela nunca havia me chamado de querido."Não", repetiu, "não há a menor chance disso. Eu preferia voltar para o Quil. QUer dizer..."Lutou para encontrar as palavras, que eu forneci mentalmente ("Ele partiu meu coração, VOCÊ apenas destruiu a minha vida").
*
"Tchau!", ela cantou, meu doce amor americano, minha amada imortal, minha amada morta. Porque, se você está lendo isto, ela está morta e tornou-se imortal, segundo o acordo que fiz com as chamadas autoridades.No momento em que arranquei, ouvi que ela chamava seu Dick com um grito vibrante; o cachorro começou a correr e a saltitar ao lado do carro, como um gordo golfinho, mas, velho e pesado, logo desistiu.E me encontri só, dirigindo através da garoa do dia que agonizava, com os limpadores de pará-brisa em plena ação, embora incapazes de lidar com minhas lágrimas.
Retirados do livro Lolita
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
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