No caderno Almon escreveu, entre outras coisas, que, sem todos os animais, até mesmo as noites de verão mais ralas lhe pareciam às vezes como cobertas por uma neblina turva, uma neblina que desce sobre tudo quase enterrando a aldeia, o coração e o bosque. O nevoeiro das noites de verão, escreveu o pescador no seu caderno, não é seco e leve como o vapor fino da geada do inverno, mas é empoeirado, imundo e opressivo.
Desde aquela noite em que Nehi, o demônio, levou consigo todos os animais e os arrastou atrás dele até o seu esconderijo na montanha, os habitantes da aldeia viviam cultivando seus pomares em silêncio e medo. Sem nenhum animal em casa e sem nenhum animal na lavoura. Sozinhos. Apenas o rio ainda passava, rolando na correnteza do seu curso pequenas pedras lisas, galhos quebrados, blodos de lodo. Dia e noite, inverno e verão, sem repouso.
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O bosque é um lugar perigoso. Tome cuidado com as montanhas. Todo arbusto pode conter más intenções. Toda rocha pode esconder atrás de si alguma coisa que não é rocha. (...) A escuridão nos odeia. Lá fora está cheio de perigos.
Das profundezas dos bosques, do coração dos bosques emaranahdos que cercavam a aldeia por todos os lados, de manhã até a noite soprava um cheiro estranho de escuridão. E, até mesmo nos meses de verão chegava dos bosques um tipo de penumbra de inverno. E o rio, efervescente, borbulhante, se contorcia entre os pátios e se arrastava até o vale, correndo furioso no declive com uma espuma branca nas suas margens, como se corresse com toda a força para fugir para bem longe, e mesmo assim ele se detinha por um minuto para almadiçoar em seu curso toda a aldeia.
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(...) pois em toda sala de aula ou grupo, disse o homem, há um assim, não desejado, alguém diferente que insiste em correr atrás do grupo de crianças onde quer que elas estejam, e sempre fica a uma distância de alguns passos atrás dos demais, constrangido e envergonhado, invulnerável às ofensas e gozações, ansiando desesperadamente por ser aceito, poder pertencer, e para tanto está disposto a fazer tudo, servir como escudeiro, escravo deles, disposto até a se fazer de tonto para ser engraçado, disposto a ser palhaço e alvo de zombarias, que dele debochem o quanto quiserem, que até mesmo o maltratem um pouco, não importa, ele entrega a eles, gratuitamente, seu coração rejeitado.
Trechos retirados do livro De repente, nas profundezas do bosque, da editora Cia. das Letras, tradução de Tova Sender.
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