Os pardais o acordam de manhã. "Malditos!" gemendo, enterra a cabeça no travesseiro. Malditos pardais - o dia: mais um dia. Quietinho, morde o lençol, abafa os gritos: "Não acordei, estou dormindo. Não são os pardais, mas os grilos..." Quem dera esganar todos os pardais da cidade.
Cabeça nas mãos, repete sempre - "São os grilos, eis que são os grilos." Em vez de abrir a janela, acende a luz.
Onde a coragem de enfrentar o espelho? Sobreviveu ao pior: já faz a barba. Não mais ver aquela cara e, coçando o queixo, interrogar-se: "Para quê?".
O espelho nunca deu a resposta. Resiste aos dias, com ódio dos pardais. Ah, não piassem com tanta alegria, quem sabe o sol deixasse de nascer.
O queixo ensaboado, xinga-se em voz baixa: "Por que não morre?". Ao frio da navalha, os dedos tremem. Alcança a garrafa, bebe no gargalo. Dos olhos escorrem gotas de amargura, nem sequer lágrimas.
Trecho à cima retirado do livro Novelas Nada Exemplares, conto Quarto de Hotel.
*
Só a obra interessa. O autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor que o contista. Vampiro sim, de almas. Espião de corações solitários, escorpião de bote armado. Eis o contista. Só invente o vampiro que exista. Com sorte, você adivinha o que não sabe. Para escrever mil novos contos, a vida inteira é curta. Uma história nunca termina. Ela continua depois de você. Um escritor nunca se realiza. A obra é sempre inferior aos sonhos. Fazendo as contas percebe que negou o sonho, traiu a obra, cambiou a vida por nada. O melhor conto só se escreve com tua mão torta, teu avesso, teu coração danado. Todas as histórias, a mesma história, uma nova história. O conto não tem mais fim senão começo. Quem me dera o estilo do suicida em seu último bilhete.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
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