sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Neruda, Pablo

E aquela vez foi como nunca e sempre:
vemos ali onde não espera nada
e achamos tudo o que está esperando.

*

Mentem os que disseram que eu perdi a lua,
os que profetizaram o meu porvir de areia,
asseveraram tantas coisas com línguas frias:
quiseram proibir a flor do universo.

"Já não cantará mais o âmbar insurgente
da sereia, não tem senão povo."
E mastigavam seus incessantes papéis
patrocinando para minha guitarra o esquecimento.

Eu lhe lancei aos olhos as lanças deslumbrantes
de nosso amor cravando o teu coração e o meu,
eu reclamei o jardim que deixavam tuas pegadas,

eu me perdi de noite sem luz sob tuas pálpebras
e quando me envolveu a claridade
nasci de novo, dona da minha própria treva.

*

Volta-se a mim como uma casa velha
com pregos e ranhuras, e assim
que alguém cansado de si mesmo,
como de um traje cheio de buracos,
tenta andar despido porque chove,
quer o homem molhar-se na água pura,
no vento elementar, e não consegue
senão voltar ao poço de si mesmo(...).

*

(...)nada, não há senão seres sem objeto,
palavras sem destino
que não vão além de ti e de mim,
nem aquém do escritório
- estamos demasiados ocupados -
nos chamam pelo telefone
com urgência
para notificar-nos que ficou proibido
ser feliz.

*

Se cada dia cai
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

*

Perdão se pelos meus olhos não chegou
mais claridade que a espuma marinha,
perdão porque meu espaço
se estende sem amparo
e não termina:
- monótono é meu canto,
minha palavra é um pássaro sombrio,
fauna de pedra e mar, o desconsolo
de um planeta invernal, incorruptível.
Perdão por esta sucessão de água,
da rocha, a espuma, o delírio da maré
- assim é minha solidão -
saltos bruscos de sal contra os muros
de meu ser secreto, de tal maneira
que eu sou uma parte do inverno,
da mesma extensão que se repete
de sino em sino em tantas ondas
e de um silêncio como cabeleira,
silêncio de alga, canto submergido.

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